NOTAS SOBRE A CONFERÃ?NCIA DE FRANCO ROTELLI

Prof. Virgílio de Mattos

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”Pode ser que a saúde mental seja o contrário da loucura. Pelo que me concerne eu imagino que ser louco não significa outra coisa que levar-se muito, ou demais, (ou tudo) a sério" ¹.

O movimento antimanicomial comemora seu dia nacional de luta (18 de maio) e quem ganha o maior presente somos nós. Mas se você não sabe o que é o movimento da luta antimanicomial e nem o que acontece nos dias 18 de todos os maios, talvez nem tudo esteja perdido. Deixe-me contar-lhe uma estória dessa história.

 

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NOTAS SOBRE A CONFERÃ?NCIA DE FRANCO ROTELLI

Autor: Prof. Virgílio de Mattos

Disciplina: Criminologia - 7º Período



”Pode ser que a saúde mental seja o contrário da loucura. Pelo que me concerne eu imagino que ser louco não significa outra coisa que levar-se muito, ou demais, (ou tudo) a sério" ¹.
O movimento antimanicomial comemora seu dia nacional de luta (18 de maio) e quem ganha o maior presente somos nós. Mas se você não sabe o que é o movimento da luta antimanicomial e nem o que acontece nos dias 18 de todos os maios, talvez nem tudo esteja perdido. Deixe-me contar-lhe uma estória dessa história.
Por um desses acasos que pululam na vida dos distraídos, toca o telefone na tarde de domingo. A voz de Rosi Silva, a coordenadora de saúde mental do município de Belo Horizonte, pergunta se poderíamos receber Franco Rotelli, o psiquiatra famoso, o ex-diretor geral de saúde mental de Trieste, onde juntamente com Franco Basaglia entortou o eixo do cuidado para torná-lo atencioso e reto ao portador, desculpem-me: ao cidadão em sofrimento mental, àquela época denominado simplesmente de louco. Literalmente derrubaram as paredes manicomiais e cuidaram de estabelecer o cuidado no território, que é onde sempre vivemos todos, não importando o país e a doença.
Se a minha boa sorte me deixa estou perdido, penso rápido. Não era brincadeira. De fato a Rosi, Franco e Fernanda Nicácio² estavam próximos de minha casa ” sempre tão longe de tudo ” e perguntavam se poderiam ser recebidos para um café.
Mas é lógico, balbucio rápido no gatilho, precisam de um convite formal? A essa hora impossível improvisar uma banda de música... Laura começa a pensar freneticamente em que oferecer. Essa casa nessa bagunça... E eu sem nada... Só se eu servir uma tortinha de maçã com café... De fato a casa está literalmente em reconstrução e o que há de espaço utilizável é pequeno, empoeirado e cercado por todos os lados por ferramentas, tijolos, e coisas encaixotadas, muitas coisas encaixotadas. Vivemos, há meses, embrulhados em meio a embrulhos.
E conversamos. Conversamos um pouco sobre tudo, mesmo para quem não estava para muita conversa. Após o almoço os italianos dormem. Não importa se têm ou não o hábito. Mesmo que o término do almoço se dê por volta das 18h de um dia de domingo, após o almoço os italianos dormem.
Conversávamos, em especial, sobre os números do aprisionamento. Como eles se multiplicam por todo o mundo, em especial na Itália (com quase 61 mil presos para uma população inferior a 62 milhões de pessoas) e no Brasil (com quase 500 mil presos para uma população de 190 milhões de pessoas). A diferença marcante é que o grosso da população carcerária italiana é composta de imigrantes pobres. Aqui também se encarcera os pobres e miseráveis, mas raramente aos imigrantes e em ambos os países os tóxicodependentes abundam nas prisões. Qual seria mesmo a grande diferença?
A grande diferença é que o modelo prisional do chamado louco infrator, tanto na Itália, quanto no Brasil, apresentam especificidades marcantes. Tanto lá, quanto aqui, a proposta substitutiva do modelo hospitalocêntrico é forte. Lá não mais existem hospitais psiquiátricos. E Rotelli é um dos precursores desse modelo não-hospitalocêntrico. E segue mundo afora plantando as sementes dessa rara e metafórica orquídea que é a atenção, o trato e a escuta de gente. Sejam rotulados como criminosos, loucos, ou simplesmente gente diferente.
Rotelli é um desses seres diferentes. é especial. A humanidade seria outra, estou convencido, se tivéssemos uma meia dúzia de rotellis. Ele fala sem qualquer problema em relação aos problemas de sua terra, sem afetação ou irritação. Aquiesce que a famosa Legge 180, de 1978, que revolucionou o trato dos portadores, outra vez perdão: dos cidadãos em sofrimento mental, não modificou a questão do louco infrator. São 1300 pessoas reclusas nos ospedale psichiatrici giudiziari ³. Criticou asperamente a visão demagógica da segurança no mundo inteiro. ”Mudou-se a legislação específica, mas não se mudou nem a realidade da exclusão e nem a periculosidade presumida".
Recentemente a Corte Constitucional italiana rompeu o esquema crime + sofrimento mental = manicômio judiciário. O sistema vicariante, entre nós adotado desde 1984, começa a fazer efeito por lá. A questão é a responsabilização (preso in carico) dos serviços públicos para acabar com os OPG como algo que seja tido como necessário. Outra conclusão de Rotelli é, no que tange ao direito penal e civil que ”o conceito de pessoa em sofrimento mental não mudará nos próximos tempos. Não devemos ter ilusões sobre isso".
Rotelli tem feito bem o seu trabalho: dos 1300 presos em manicômios judiciários na Itália nenhum deles é triestino.
Algumas notas, para refletirmos, feitas na conferência por ele proferida na manhã de hoje, no auditório da Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte:
”O manicômio não é outra coisa que uma redução do homem a uma caricatura, um esquema, uma falsificação".
”A psiquiatria clássica tentando tratar das pessoas retirou-lhes todos os direitos. Temos que fazer o contrário".
”Os pacientes são os que perderam tudo, ou os que nunca tiveram nada".
”Não sabemos se o que falamos é verdadeiro. é possível que seja. é possível e até que ponto é possível? é uma tentativa. é uma busca. Continuamos tentando".
ӎ preciso ṇo aceitar a presṣo da vida cotidiana".
”O percurso da luta antimanicomial segue em poucos países do mundo" (ao elogiar a luta em Belo Horizonte). ”Tudo o que é feito é muito importante".

Notas:

O Autor é Professor de Criminologia nos Cursos de Pós-graduação e Graduação da ESDHC. Do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade. Do Fórum Mineiro de Saúde Mental. Autor de Crime e Psiquiatria ” Preliminares para a Desconstrução das Medidas de Segurança, A visibilidade do Invisível e De uniforme diferente ” o livro das agentes, dentre outros. Advogado criminalista.
1 - Ma la salute mentale che cosa è? Franco Rotelli, Communitas n. 12/2006, tradução livre.
2 - Professora de nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Universidade de São Paulo que estudou em Trieste sob a orientação de Rotelli.
3 - São cinco ainda hoje na Itália, funcionam com a mesma estrutura de nossos manicômios judiciários, ainda que os recursos materiais sejam outros.






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