Entrevista com a Naomi Klein


    


Ela critica os ativistas que, como eles, viraram estrelas da esquerda mundial e passam a vida pulando de anfiteatros para palanques. Este ano, recusou-se a falar no...

 

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Entrevista com a Naomi Klein
Por L....... 03/02/2003 às 19:02

http://brasil.indymedia.org/pt/blue/2003/02/246954.shtml

Militante avessa à globalização e a palanques

Escritora critica o ?jet set? da militância reunida em Porto Alegre

Alguém acha o pensador Noam Chomski ou o escritor Tariq Ali radicais?

Pois Naomi Klein é mais. Ela critica os ativistas que, como eles, viraram estrelas da esquerda mundial e passam a vida pulando de anfiteatros para palanques. Este ano, recusou-se a falar no Fórum Social Mundial por não querer participar do que chama de jet set da militância internacional.

? Não quero ser uma celebridade dos movimentos sociais. Sinto-me desconfortável com isso ? diz.

Mas, mesmo sem querer, é porta-voz dos jovens que desde Seattle vão para as ruas protestar contra a globalização. E claro que foi a Porto Alegre. Só que chegou silenciosamente, ficou na platéia das conferências e se misturou à massa na manifestação de encerramento.

Os melhores momentos da luta contra o capitalismo neoliberal foram selecionados e reunidos no livro ?Cercas e janelas?, o segundo de Naomi que a Record lança dentro de um mês. Num dos artigos, deixa claro o seu mal-estar por fazer sucesso e ganhar muito dinheiro escrevendo contra as multinacionais. ?A raiva com os erros do capitalismo sem fronteira é tão grande que pessoas como eu agora se vêem diante de uma contradição: criticar a motivação do lucro tornou-se lucrativo?, reclama. Mas achou uma saída honrosa: a cada livro seu vendido, US$ 1,60 irão para um fundo de apoio ao movimento contra a globalização neoliberal.

Há dois meses, está morando na Argentina: abandonou seu bem remunerado papel de musa dos jovens de esquerda para viver de perto o caos de Buenos Aires. Acha que o país é um laboratório de alternativas ao liberalismo. O resultado de seis meses no país será um documentário, junto com o marido, com o título de ?"Fire the experts: Let them all go?, ou seja, que os especialistas sumam.

NAOMI KLEIN: O meu objetivo é mudar o olhar dos americanos. A coluna se chama Look Out, um título que tem dois significados: tem o sentido de prestar atenção no mundo e também de prestar atenção em você mesmo. Incentivo os americanos a desafiar os limites. Eu também falo de alternativas que estão emergindo fora dos Estados Unidos, com base na observação dos projetos de construção de democracia que acontecem no mundo.

Este ano você não participou de nenhum painel nem fez discursos no Fórum de Porto Alegre. Por quê?

NAOMI: Eu gosto muito do Fórum Social, é a terceira vez que venho mas estou com problemas. Muita gente não consegue espaço para falar e outros falam o tempo todo. Está se formando uma espécie de jet set do Fórum, não tenho interesse em me tornar uma celebridade do ativismo. Isso tem de ser repensado, todos têm de ter espaço para falar. Se você falar num ano, deveria ficar calado no outro. Ano passado, disse que era importante falar menos e fazer mais. Ninguém lembra, mas umas mil pessoas ouviram eu dizer isso. Vou cumprir a promessa.

Você está fazendo campanha contra a guerra?

NAOMI: Eu decidi parar de falar em comícios e protestos durante seis meses. Mudei para a Argentina e vou ficar lá até as eleições. Antes disso, estava fazendo uma oposição apaixonada à guerra. Estava fazendo campanha na Inglaterra, nos Estados Unidos, tentando quebrar o encanto do 11 de setembro, tentando fazer as pessoas deixarem de ter medo. São tempos difíceis para viver nos Estados Unidos.

A sua saída do Hemisfério Norte tem a ver com o Bush?

NAOMI: Talvez seja por isso que esteja passando mais tempo na América Latina. Os Estados Unidos se tornaram extremamente repressivos e defensivos. é difícil através das explicações e das palavras entender os motivos desta guerra. O apoio político a Bush surge de um sentimento de medo, um medo insuflado. E isso muda rapidamente, o que já está se vendo com as manifestações cada vez maiores contra a guerra.

Por que morar seis meses na Argentina ?

NAOMI: A crise foi tão intensa lá, a crise nas estruturas democráticas e no modelo econômico, que as pessoas estão sendo obrigadas a achar alternativas ao velho modelo neoliberal. Quando existe um colapso de um país, você é obrigado a encontrar novas formas de resistência. No Canadá, por exemplo, está acontecendo uma lenta erosão dos direitos, dos direitos trabalhistas, liberdades civis. Como é lento, as pessoas não respondem de maneira criativa. Nos países muito pobres, reina a resignação. Na Argentina e no Brasil, é diferente. Todo mundo sempre faz piada com os argentinos, com a imagem que eles fazem deles mesmos. E de repente o país deles foi destruído e eles tiveram de se reciclar. A situação dramática e cheia de sofrimento está empurrando os argentinos ao encontro de situações criativas.

O que você viu como solução criativa contra a crise?

NAOMI: As pessoas estão partindo para a ação. Nos hospitais, nas escolas, nos laboratórios, os estudantes, os funcionários e enfermeiros assumiram o controle e passaram a dar atendimento, mesmo precário. Fazem a limpeza, procuram manter as coisas funcionando. Nas fábricas, isso também está acontecendo. Os empresários vão embora porque faliram e os trabalhadores procuram assumir. Não é uma história marxista, no sentido tradicional. é o contrário: os operários não param a produção para conquistar direitos, eles lutam para manter a produção. Os empresários fecharam 140 fábricas que agora são dirigidas por trabalhadores. Eles estão dizendo: ?Que todos deixem o país?. Eu vi uma cena incrível na Bolívia. Por algum motivo os policiais reprimiam os trabalhadores e eles tentavam desesperadamente não deixar que eles quebrassem as máquinas. é uma inversão completa: os trabalhadores passam a defender a fábrica porque é de lá que sai a única possibilidade de trabalho e de sobrevivência. Ninguém pensa em greve, porque a produção já parou há muito tempo.

Você tem visto a atuação de Lula ?

NAOMI: Acho a eleição do Lula tremendamente inspiradora para o mundo, o Lula tem muito carisma. Mas eu temo que as pessoas comecem a acreditar em salvadores, porque isso pode se transformar num desastre. O Brasil está num momento interessante, no caminho de uma recomposição social, vem conseguindo manter suas estruturas e, com a eleição de Lula, abriu a perspectiva de um novo caminho. Mas tem um outro lado perigoso. Não dá mais para acreditar em um salvador, seja Che Guevara ou o Messias. Lula não pode ser visto pela América Latina como um salvador.





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